segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Depois dos rolezinhos

*Por Cristovam Buarque
Os “rolezinhos” têm sido tratados como um tema cultural: o porquê dos jovens preferirem agitar shoppings, tirando a tranquilidade dos frequentadores e trabalhadores, ao invés de praticarem outras atividades juvenis, tais como, namoro, estudo, esporte, arte ou mesmo consumo. E as soluções propostas têm sido baseadas na esfera legal e policial. Não se viu um debate sobre as causas estruturais que permitiram estas mobilizações aflorar: os shoppings e a internet.
Os shoppings ofereciam a natural busca de conforto nos trópicos e a necessária proteção em uma sociedade violenta nas ruas, mas também a disfarçada segregação social que caracteriza o Brasil. Independente das causas que levam os jovens aos “rolezinhos”, eles não ocorreriam sem estes dois fatos irreversíveis na realidade: a existência de shoppings e a disponibilidade da rede social. Sem os shoppings não haveria como ocupá-los, sem as redes não haveria como fazê-lo.
A sociedade tem três alternativas: conviver com os “rolezinhos” como uma prática cultural, um carnaval fora de época e lugar; oferecer outras diversões aos jovens; ou buscar solução na explicitação da apartação, com leis que escolham os frequentadores. Esta medida será indecente moralmente e ineficiente socialmente. Ainda se consegue fazer isso nos clubes, condomínios, escolas de qualidade e hospitais caros, mas em shopping será impossível justificar moralmente tal medida. Além disso, as soluções policiais pela força, cercando shoppings, ou pela espionagem, bisbilhotando as redes sociais, serão impossíveis.
Até recentemente, a segregação se fazia com a convivência dócil dos excluídos, como se dizia então: os negros e os pobres sabem seus lugares. Não era necessário, como na África do Sul, explicitar em leis as calçadas e os banheiros só para brancos. No Brasil, a separação era automática, cada um sabia seu lugar. Com o aumento da população urbana, foi preciso separar fisicamente as classes, nos shoppings e condomínios, com cercas e crachás, mas ainda sem necessidade da explicitação em leis. Apesar de que houve propostas para proibir legalmente a entrada de imigrantes indesejados, bastava a apartação descrita no livro “O que é apartação, o apartheid social brasileiro”, de 1994.
Graças à internet, os “rolezinhos” desnudam o sistema de apartação implícita, sem leis.
Quem não quiser conviver com os shoppings ou com as redes sociais deverá mudar de planeta ou viajar para o passado. Daqui para frente, os shoppings existirão e terão um papel positivo no conforto social, mas a “guerrilha cibernética” é uma realidade com a qual vamos conviver. Ou assume-se a segregação explícita, ou promove-se a miscigenação social.
E para isso, o caminho é a escola. A segregação racial se fez nas alcovas, a segregação social se faz nas escolas. O único caminho decente e sustentável para o bom funcionamento dos espaços urbanos é a promoção da escola de qualidade em horário integral, com ofertas culturais para os jovens.
*Cristovam Buarque é senador do PDT-DF.

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